León, cidade mais ativa na política da Nicarágua, respira o ideal sandinista

“Lutamos pela liberdade e juramos defendê-la”, diz o mural numa praça perto do Museu da Revolução em León. Em várias paredes nas ruas,  pinturas lembram o perfil de Augusto C. Sandino, um mártir nacional. Assim é León, cidade no Noroeste da Nicarágua: a melhor base para entender a história política do país. León respira resistência e ainda revive o passado de luta sandinista contra tropas treinadas pelos EUA (a Guarda Nacional) e uma ditadura que oprimiu os nicaraguenses durante décadas. 

Senta que lá vem a história! Se você quiser pular direto para os atrativos de León, é só rolar a página mais para baixo : – )

León foi a primeira cidade a ser libertada do domínio da Guarda Nacional, em junho de 1979. Foi depois de muitos embates e mortes de nicaraguenses organizados em guerrilhas e frentes de combate contra Anastácio Somoza, presidente e chefe das Forças Armadas.

O imbróglio começou bem antes, em 1893, quando um general liberal, José Santos Zelaya, deu um golpe e iniciou uma ditadura. Sua aproximação de Alemanha e Japão desagradou os interesses locais dos EUA, já de olho na construção do canal do Panamá, e Washington incentivou uma rebelião da oposição conservadora a Zelaya. Este, por sua vez, mandou executar dois americanos acusados de ajudar os conservadores. A resposta dos EUA? O envio de marines e uma renúncia forçada de Zelaya.  

Começaram então duas décadas de intervenção americana na Nicarágua. Em 1925, os conservadores locais deram um golpe. Mais violência. Do outro lado, rebeldes liberais, entre eles Sandino, recrutavam nicaraguenses contra a influência americana. 

As tropas dos EUA saíram em 1933, mas deixaram as forças treinadas e armadas por eles, a Guarda Nacional, e um homem, Anastácio Somoza, à frente do país e da defesa. 

Na oposição, Sandino articulava movimentos de resistência e comunicação com a imprensa estrangeira. Mas acabou assassinado em 1934, traído com um tiro nas costas, depois de ter sido convidado para uma conferência de paz em Manágua com Somoza. 

Sandino virou mártir, e sua morte provocou uma revolução na Nicarágua. As contestações ao poder ilimitado de Somoza cresceram, enquanto uma população era reprimida e dizimada.


Nos anos 1960, surgiu a chamada Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Guerrilheiros e intelectuais universitários se uniram pela libertação da ditadura Somoza. 

León, com perfil de vanguarda e sede da Universidade Nacional Autômoma da Nicarágua, a primeira do país, virou bastião de luta, embora claramente bem menos armado do que a Guarda Nacional. Se estes eram abastecidos com armas americanas, os guerrilheiros se defendiam com bombas caseiras, em óbvia desvantagem. 

Foram anos de resistência e numerosas mortes, para pequenas vitórias. Mas os abusos e privilégios de Somoza e seus aliados foram cada vez mais mundialmente conhecidos. A oposição cresceu  o ideal sandinista ganhou outras cidades. A gota d’água foi o assassinato de Chamorro, dono do maior jornal de oposição a Somoza. A revolta nas ruas cresceu e explodiu uma greve nacional. Somoza fugiu para o Paraguai. 

León foi a primeira cidade a ser libertada da Guarda Nacional, em junho de 1979. Em julho, os sandinistas marcharam vitoriosos até Manágua. Somoza acabou morto por agentes sandinistas um ano depois, em Assunção. 

Começava então outro desafio: o de reunir o país, estabilizar sua política, alavancar a economia, combater a desigualdade que  (ainda) assola a sociedade nicaraguense. O atual presidente, Daniel Ortega, sandinista, é bem visto pela população, mas sua plataforma anti-pobreza caminha devagar para os seis milhões de habitantes. 

O que ver em León! 
Há muitas fotos da luta sandinista contra Somoza no modesto Museu da Revolução, em frente ao parque central, na praça da catedral de León. A entrada custa 100 córdobas (cerca de US$ 3), e a visita é guiada e contada em primeira pessoa por um ex-guerrilheiro.

Hoje restam mais de 200 combatentes daquele período, a maioria sem trabalho ou qualquer ajuda por parte do governo, segundo os ex-guerrilheiros. Muitos sobrevivem como guias do museu, e com um extra de venda de DVDs feitos por jornalistas estrangeiros e copiados em série com a história daquela época. 

Nosso guia, Benito, aparenta mais do que seus 56 anos. Gosta de conversar. Começa perguntando de quanto tempo dispomos, “porque poderia falar por horas”. Mostra um mural no pátio com figuras de Sandino, Che Guevara e varios líderes nicaraguenses. 

Numa sala ao lado, Benito mostra fotos de todos os chefes de combate mortos em emboscada e de companheiros que perdeu diante do desigual arsenal que tinham em relação ao do da Guarda Nacional. Vemos recortes de jornal, muitas fotos. Benito aparece, jovem, em uma delas. É um acervo muito muito modesto, mas guardado num lugar por si só simbólico: o museu já foi base da Guarda Nacional. Hoje necessita vários reparos, e é casa improvisada para ex-guerrilheiros sem lar. 

Saindo do museu vale um passeio pela praça da catedral. Há muitos cafés, restaurantes e barraquinhas de comida – e a vida da cidade corre ali. Famílias conversam, crianças brincam, casais namoram. E a catedral, récem-reformada e pintada em branco, se destaca imaculada no entorno simples. 

León, aliás, é a cidade das igrejas. Além da catedral vale passar pela igreja de la Recolección, a três quadras dali, uma construção amarela simpática em estilo barroco mexicano. 

León também é base para trilhas de vulcões. O passeio mais famoso é o surfe no vulcão Cerro Negro, sobre o qual escrevemos neste post aqui. Há outros desafios, como o San Cristóbal e o Momotombo, este último atualmente fechado por andar mais ativo do que o habitual.

Clique aqui para passear por León e conhecer o Museu da Revolução

De León ainda ficamos uma noite em Manágua, já sem muito tempo, infelizmente, para conhecer bem a cidade. Mas levamos uma impressão linda da Nicarágua. É um dos países mais pobres das Américas, sim, mas rico na simplicidade, nas belezas naturais, no sorriso fácil dos nicaraguenses. Voltaremos : – )

Como chegar e onde ficar

Para chegar a León pegamos um shuttle direto de San Jorge, porto de saída e chegada da maravilhosa ilha de Ometepe – um paraíso imperdível sobre o qual falamos aqui

Contratamos o transporte com o Big Foot Hostel, a US$ 20 cada um. A viagem dura umas cinco horas, sem contar 1h15 do ferry de Ometepe. 

Uma dica: o shuttle passa por Granada, cidade incrível que conhecemos antes da ilha. Então, se você tiver tempo e vontade, sugerimos uma ordem de visita diferente da que fizemos. Visite León e Granada primeiro, depois a imperdível Ometepe. 

Agora, se tiver que escolher entre Granada e León, nosso voto é por Granada. Ambas as cidades têm estilo colonial e vulcões incríveis, mas achamos Granada mais estruturada, bonita e segura, sem perder os área de cidade pequena. Você pode ler sobre Granada aqui

Em León chegamos no hostel El Jardin. Funcionários simpáticos e café da manhã ok, mas achamos as instalações antigas e descuidadas, e um grupo de hóspedes falando alto de madrugada não nos deixou dormir na primeira noite. Reclamamos, e fomos transferidos para o Hostal Las Vacaciones, do mesmo dono. Mais arejado e simpático. 

Palavra do dia: gallo pinto. Não tem nada a ver com galo ou galinha. Mas formam uma dupla imbatível: arroz com feijão, misturados, no nosso prato de cada dia na Nicarágua. 

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